TELEVISÃO DIGITAL BRASILEIRA !!!

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 Ginga, um desafio para a televisão brasileira



No dia 2 de dezembro de 2007, numa grande festa em São Paulo, o ex-presidente Lula, seu ministro das Comunicações Helio Costa e uma centena de empresários ligados ao setor anunciavam a inauguração da TV Digital no Brasil. Com grande pompa, todos aprovavam a promessa de espalhar pelo país os sinais do SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão Digital), criado a partir do padrão japonês ISDB-T.

Quase cinco anos depois, somente as grandes regiões metropolitanas estão recebendo a aguardada novidade – ainda assim, sujeita a falhas de acordo com a topografia local e a capacidade das torres de retransmissão. "A implantação está caminhando dentro do cronograma", garante Frederico Nogueira, vice-presidente da rede Bandeirantes e diretor do Fórum SBTVD, órgão criado para ordenar, promover e fiscalizar a TV Digital no país.
De fato, segundo publicava na semana passada o site do Fórum, a maioria das capitais e das cidades com mais de 500 mil habitantes já recebem o sinal digital (confira a lista aqui). Outro site, dtv.org, atualiza regularmente uma lista das localidades que passam a receber o sinal, onde se nota que até mesmo municípios pequenos já adotaram a TV Digital – o que se deve, quase sempre, à ação das emissoras afiliadas às grandes redes, que cobrem regiões formadas por dezenas de pequenas cidades (acesse o link).
Não há, no entanto, números oficiais a respeito. Nem o Fórum nem os fabricantes de televisores sabem de fato quantos aparelhos de recepção digital existem no país. A estimativa mais recente partiu da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Eletrica e Eletrônica): seriam 15 milhões de TVs com o software Ginga embutido, vendidos até dezembro de 2011. Mas os principais fabricantes de TVs não fazem parte da entidade, e sim da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), que, no entanto, não divulga dados a respeito (as estatísticas de seu site não são atualizadas desde 2009).
O próprio site da Anatel divulga mapas por estado, situando as regiões cobertas com sinal digital, mas com números genéricos. O fato de uma cidade com 1 milhão de habitantes, por exemplo, estar na lista não significa que todos eles já recebem em casa esse benefício. Num país tão extenso, a tendência natural é que sejam atendidas primeiro as regiões mais populosas, mas, ainda assim, dentro de uma mesma cidade pode haver as chamadas "áreas de sombra", onde o sinal não chega (ou chega com deficiência).
Segundo o Fórum SBTVD, isso é o que acontece em todos os países que estão fazendo a transição do padrão de TV analógico, utilizado no Brasil desde 1950, para o padrão digital. "Cidades muito pequenas são atendidas pelas prefeituras, que montam a infraestrutura de retransmissão", explica Nogueira. "No mundo inteiro, isso é feito com investimentos do governo. Para as emissoras, levar o sinal digital a todo o território significa muito custo e pouco retorno".
É dentro dessa perspectiva – investir para obter retorno no prazo mais curto possível – que as emissoras estão conduzindo a transição. Em entrevista exclusiva, Nogueira detalha a estratégia do setor, prevendo que será muito difícil atingir a meta de promover o chamado switch-off – desligamento definitivo dos transmissores analógicos – em 2016, como prevê o cronograma do SBTVD.
P – É possível acreditar que todos os brasileiros poderão assistir à Copa do Mundo de 2014 com sinal digital?
R – Trabalhamos com a meta de, até 2014, implantar o sinal em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes. O restante ficaria para 2016, mas essa será a parte mais difícil, porque não vai dar retorno comercial. Levar torres e antenas para todas essas localidades exige muito investimento. Só pode ser feito com dinheiro do governo. É necessário instalar antenas captando o sinal das redes, e torres de retransmissão, normalmente mantidas pela prefeitura. Agora, uma coisa é manter, outra é melhorar a qualidade do sinal. Não sei se isso será prioridade para os prefeitos.


P – Pelo visto, então será complicado cumprir o cronograma do switch-off, marcado inicialmente para junho de 2016?
R – Acho muito difícil. As emissoras não têm como bancar isso. E, além do governo investir, será necessário mudar a atitude da população. Em muitos países, as pessoas simplesmente não quiseram comprar TVs novos, e nesse caso não adianta ter o sinal digital na cidade. Veja que, nos EUA, o governo teve de investir e até oferecer receptores de graça para a população. Lá, também houve atraso no switch-off.


P – O Fórum SBTVD concorda com as pressões do governo para acelerar esse processo?
R – Na verdade, o que o governo fez foi simplesmente cobrar dos fabricantes o cumprimento de algo que estava previsto desde o início. Precisamos ter um parque instalado de TVs com receptor digital para justificar a transmissão desse tipo de sinal. Primeiro, criaram os receptores externos; depois, passaram a embutir nos TVs. Mas a verdade é que até agora há muitos poucos aparelhos capazes de receber sinal digital. As emissoras estão fazendo a sua parte, expandindo a cobertura.


P – Não seria papel do Fórum SBTVD resolver essa situação, já que dele fazem parte tanto as emissoras quanto os fabricantes?
R – O Fórum é composto de emissoras, fabricantes de TVs, fabricantes de equipamentos para retransmissão, academia e produtores de software, É um modelo único no mundo. Acho até que o Brasil, nesse ponto, está muito mais avançado do que outros países. Temos de ajustar os interessesentre todas as partes envolvidas. E posso afirmar que isso está sendo feito. Os desenvolvedores de software estão trabalhando muito no Ginga e suas variações, as redes estão sendo expandidas, só falta mesmo as pessoas terem o aparelho em suas casas.


P – A realização da Copa e da Olimpíada no Brasil pode servir de estímulo nesse processo?
R – É o que esperamos. Tradicionalmente, todo ano de Copa vendem-se mais televisores no país, e desta vez não deve ser diferente. A indústria precisa oferecer mais aparelhos com receptor embutido, a um custo acessível para atingir todas as famílias que já podem receber sinal digital.


P – Entre as grandes promessas do SBTVD no início estava a interatividade. Por que até agora isso não decolou?
R – Se você for pesquisar, a interatividade ainda não decolou em nenhum país do mundo! Aliás, não existe nem um modelo que pudéssemos adaptar.O Brasil é o primeiro que está fazendo uma legislação, testando as várias possibilidades. As emissoras estão investindo pouco, mais como laboratório. Até agora, ninguém descobriu um modelo de negócio que justifique um investimento maior.


P – Mas isso é culpa do governo, das emissoras ou dos fabricantes?
R – Na prática, o projeto do governo para interatividade conflita com o dos fabricantes. Todos, sem exceção, querem retardar o Ginga. A indústria dá prioridade às plataformas Smart TV, que podem lhe render lucro a mais curto prazo. Os fabricantes vêem as app stores faturando alto e querem seguir esse modelo de venda de software. É como se dissessem: "Vamos consolidar nosso processo de banda larga na TV, depois a gente brinca de Ginga". Por isso, o governo disse "não" e está obrigando a incluir o Ginga em todos os novos TVs.


P – E como ficam as emissoras nessa briga? Algumas já oferecem conteúdos interativos, mas parece que tudo ainda é muito tímido...
R – Caímos num dilema do tipo o ovo ou a galinha! Como emissora, eu não posso mandar meu telespectador apertar uma tecla vermelha para ver o resumo do jornal de hoje. Tem 100 milhões de pessoas assistindo, mas só 100 mil têm Ginga. As app stores começaram com poucos aplicativos, hoje têm milhões. É natural, a interatividade vai caminhar aos poucos. Mas, para dar dinheiro, precisa ter volume.


P – Quantos aparelhos com Ginga já existem hoje?
R – Não sei, mas com certeza são bem poucos...


P – O que mudaria para as emissoras se houvesse uma popularização do Ginga?
R - Pode mudar o cenário da audiência. A programação passa a ser não só o que está no ar, mas também as informações adicionais. Estas podem alterar o comportamento do público. Entrou o intervalo, joga a informação adicional: será que o usuário vai sair da tela convencional? Como faço para ele voltar? Vai ter que discutir a relação programa x intervalo x interatividade. Ninguem sabe como será. A Europa ainda tem alguma coisa, mas nosEUA não; lá, 90% das residências são atendidas por TV a cabo. No Brasil, 80% não têm acesso ao cabo. Cada país vai ter um modelo.


P – Até que ponto as smart TVs estão suprindo essa demanda por interatividade?
R - Ninguém compra TV por causa do aplicativo, estamos longe disso. Quando houver conexão boa e barata, aí sim. Smart TV pode não ter concorrência do Ginga, mas vai ter de outro sistema qualquer. Veja que as operadoras de TV por assinatura já estão oferecendo video sob demanda.É isso: todo mundo conflita com todo mundo. Diziam que a convergência seria na TV, depois no computador, acabou sendo no celular. Ninguém sabe o que vai dar certo. Importante é que o consumidor quer ter tudo, com opção de escolha.


P – Mas, falando especificamente do Ginga, há possibilidade de se popularizar no futuro e competir, de fato, com a smart TV?
R – Na verdade, as duas plataformas não são incompatíveis. Mas o sucesso do Ginga hoje depende mais do governo. Sabemos que Caixa Econômica e Banco do Brasil, por exemplo, estão investindo muito em serviços usando o Ginga. Logo poderemos ter novidades. Se o governo quiserimplantar o chamado T-Gov usando o Ginga, já será um sucesso. Se resolverem dar conversores do tipo set-top para diminuir as filas, o Ginga já estará consolidado. Não é todo mundo que vai poder comprar TVs novos.


P – Outra promessa que veio junto com a TV Digital foi a multiprogramação. No entanto, parece que nada foi feito até agora...
R – O problema é que o governo voltou atrás e proibiu a multiprogramação nas emissoras privadas, sob a alegação de que haveria risco de sublocação dos canais adicionais. Só pode nas TVs públicas. A Band está questionando isso na Justiça. É muito importante para o mercado, pode trazer novas receitas, novas audiências, permite oferecer mais conteúdo, diversificação. Não faz sentido eu ser obrigado a transmitir em 1-Seg com a mesma programação do Full-Seg. Seria um grande diferencial nos TVs digitais.


P – E por que as outras emissoras não querem?
R - A Globo não quer porque acha que vai esfacelar a audiência. Aconteceu na Europa: o cenário da audiência muda. Para a Band, não seria problema. Poderíamos jogar conteúdos da Band Sports, Terra Viva etc. Em canais de multiprogramação. Veja que as smart TVs até agora não afetaram em nada a audiência da TV aberta. A multiplicidade de conteúdos disponíveis hoje também não afeta, o brasileiro continua passando horas na frente da TV. Pessoas estão dormindo mais tarde e acordando mais cedo. Antes, assinavam TV paga para ter melhor sinal da TV aberta, hoje não precisa mais. As operadoras baixaram o preço e conseguiram atingir mais gente. O mais comum é a pessoa trabalhar ouvindo rádio pela banda larga.


P – Que balanço se pode fazer da implantação da TV Digital no Brasil, após cinco anos?
R - Para as emissoras, até agora foi só despesa. O investimento em HD digital não mudou a vida de nenhum de nós, do ponto de vista de novas receitas. Só trouxe melhor qualidade para o usuário.

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